Altitude: quanta potência se perde em motor aspirado
06/11/2020 2020-11-06 16:43Altitude: quanta potência se perde em motor aspirado
É fato que os motores de aspiração natural levam desvantagem em altitude em relação aos turboalimentados, tanto que a implementação em massa do turbo se iniciou nos aviões a pistões. Afinal, as perdas de potência conforme o avião ganhava altitude limitavam sua capacidade de voar mais alto para economizar combustível por meio de menor arrasto aerodinâmico.
A perda dos motores aspirados é mais percebida em países como Equador, México, Chile e China, nos quais o motorista viaja por cidades com grandes diferenças de altitude. Os motores turbo não sofrem variação nas curvas de torque e potência máximos, uma vez que a pressão — ou seja, massa — de ar no coletor de admissão é sempre a mesma, controlada pela central eletrônica. Mas há um limite para isso: em altitudes muito grandes há menor quantidade de ar na atmosfera e o turbo tem de “trabalhar” mais, ou seja, girar mais para buscar a pressão determinada para o coletor de admissão.
Como exemplo, digamos que o turbo de determinado veículo trabalhe com 2 bars de pressão absoluta no coletor de admissão (1 bar positivo caso esteja ao nível do mar) e que o carro vá para uma altitude de 4.100 metros, na qual a pressão atmosférica estará por volta de 0,6 bar. Nesse caso a central busca os mesmos 2 bars absolutos no coletor de admissão, mas tem 0,4 bar a mais para produzir. Mesmo que não pareça muito, pode ser o suficiente para exigir que o turbo alcance rotações tão altas que poderiam ser prejudiciais. Por isso, veículos modernos usam estratégias que limitam a pressão máxima do turbo em altitudes muito severas. O limite varia em cada projeto, mas se pode generalizar que entre 3.000 e 3.500 m começa a haver redução na potência máxima.
Mesmo que o turbo consiga fornecer a pressão de trabalho requerida, deve-se lembrar que seu retardo para atingir tal pressão será maior — o que acaba sendo um problema com a redução de cilindrada com superalimentação, o downsizing. Para entender melhor, pensemos em um veículo com transmissão automática cujo turbo “enche” até a pressão máxima em 0,8 segundo ao nível do mar ao acelerar a pleno, como em uma saída vigorosa de semáforo. Em altitude de 3.000 m, pode levar 2 ou 3 s para que se tenha a pressão exigida, tornando a saída um tanto quanto lenta.
Por isso, em motores turbo de pequena cilindrada para o peso do carro (como os de 1,0 litro já oferecidos no Brasil), não é estranho que o tempo de resposta em altitudes acima de 2.000 m seja facilmente perceptível. Com certeza esse veículo turbo com motor menor terá melhor desempenho, em relação a um aspirado de potência e torque semelhantes, ao atingir a pressão de turbo determinada de trabalho. Mas será mais lento em retomadas e saídas de faróis nos primeiros 2 ou 3 s, sobretudo em baixos giros.
No caso de motor aspirado, há diversas normas para calcular a variação de torque e de potência em função da altitude. Para referência, pela norma ISO 1585, obtém-se em média 11% menos (para ambos os itens) em São Paulo, SP, com altitude média de 760 metros, e 21% menos em Campos do Jordão, SP (média de 1.630 m), que ao nível do mar (veja o gráfico).
Os dados de fábrica são declarados seguindo a ISO 1585 no Brasil. Torque e potência máximos são corrigidos para condições de nível do mar com pressão a exato 1 bar e temperatura de 25°C. Portanto, um motor aspirado testado em São Paulo em dia de 30°C e baixa pressão pode render até 15% a menos que ao nível do mar e, em dias extremos, chega-se a 19% de perda. O motivo da correção é simples: em altitude e temperatura mais elevadas há menor pressão e densidade do ar e, em consequência, menor massa de ar entrando no motor. Por isso a norma, por meio de uma equação, “simula” como seria o comportamento do torque máximo em cada rotação ao nível do mar e com 25°C.
Fala-se em simulação pois fica difícil determinar outros fatores, como o avanço de ignição. Com temperatura próxima ao padrão a norma funciona muito bem, mas se a temperatura se alterar pode haver discrepâncias nos valores calculados e medidos no motor. Por exemplo, em dia quente há maior risco de detonação com gasolina, o que requer atrasar o ponto de ignição e perder desempenho. O oposto pode ocorrer: se estiver muito frio, como perto de 0°C, o motor pode trabalhar com avanço muito mais adiantado e até compensar parte da altitude. Por esse motivo, procura-se testar os veículos com temperatura do ar próxima à da norma, além de usar sempre o mesmo local para evitar variação de altitude.
Se torque e potência máximos são afetados, em consequência o desempenho do veículo será outro. Por isso, ao divulgar os dados de desempenho, os fabricantes padronizam os resultados para a condição-padrão seguindo as normas vigentes. Caso o veículo de motor aspirado seja testado em altitude superior ou em dia de pressão mais baixa, seus resultados serão alterados de acordo com a norma. Usar a norma para correção ou testar o veículo ao nível do mar acarreta as frequentes discrepâncias entre resultados entre veículos de motores aspirados e turbo, pois as pistas de testes mais comuns não estão ao nível do mar.
E o consumo, como ficaria no motor aspirado? Inalterado, pois ao dirigir normalmente o veículo é raro se chegar ao torque máximo. Ao trafegar (por exemplo) a 60 km/h em certa marcha e rotação, abre-se a borboleta em certo ângulo para entrada “x” de ar na admissão. Nesse caso tem-se pressão abaixo da atmosférica (vácuo) no coletor de admissão para produzir o torque e a potência requeridos — não importa se o veículo está ao nível do mar ou não.
Vale considerar que, em grandes altitudes, o arrasto aerodinâmico do veículo é menor em alta velocidade que ao nível do mar, pelo ar mais rarefeito, o que reduz o consumo. Seguindo esse raciocínio, um veículo turbo tem velocidade máxima maior em altitude que ao nível do mar, pois produz a mesma potência máxima, mas tem menos arrasto com o ar.