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Escapamento: por que não fazer a saída pela lateral?

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Técnica

Escapamento: por que não fazer a saída pela lateral?

Imagem: www.autoware.com.au

 

É fato que o sistema de escapamento dos veículos é um “trambolho” que ocupa espaço e cria um monte de problemas. Contudo, temos que levar em conta sua função principal, a de transferir os gases de escapamento e seu calor para uma região segura para os ocupantes.

No exemplo de carros de corrida como os da categoria norte-americana Nascar, em que não há preocupação com emissões e ruídos, fica fácil colocar um simples tubo para a lateral e pronto. Nos carros de rua temos outro problema: comportar o sistema de catalisador (que hoje fica junto ao motor para se aquecer mais rápido nas partidas a frio, de modo a logo alcançar sua temperatura de eficácia) e abafadores e silenciadores para atenuar o ruído — não só por conforto aos ocupantes, mas também por normas a serem atingidas.

Em vez de tanta complicação, por que não uma saída lateral como em carros da Nascar?

 

Via de regra, quanto mais espaço se tem para abafadores e silenciadores, melhor se consegue atenuar os ruídos sem criar grandes restrições para a saída dos gases. Isso pode ser notado quando se usa o mesmo motor em um carro pequeno e um médio: devido à menor restrição, é comum o carro médio ter potência máxima maior. Essa restrição, em regime de rotação máxima, chega a 0,4 bar ou 40% da pressão atmosférica — valor considerável, que atrapalha a saída dos gases de dentro dos cilindros. Basta ver como o escapamento da Volkswagen Kombi 1,4 (arrefecida a água) dá voltas embaixo do motor para entender o quão complexo é atender às normas de emissões e ruídos nos veículos atuais.

Mas o principal motivo da saída do escapamento estar na parte traseira do veículo é garantir a segurança dos ocupantes em relação aos gases de escapamento, que são extremamente nocivos à saúde em caso de grande percentual no ar que se respira. O mais perigoso é o monóxido de carbono (CO): com apenas 0,3% de concentração durante 30 minutos leva à morte. Outros gases como hidrocarbonetos (HC) e óxidos de nitrogênio (NOx) são também tóxicos.

É verdade que o catalisador converte boa parte desses gases nocivos em gás carbônico (CO2) e água (H2O), mas apenas quando opera em temperaturas acima de 300°C. E mesmo num veículo novo, trabalhando de forma correta, sempre há uma parcela desses gases nocivos na saída do escapamento, sobretudo na fase fria. Além disso, mesmo que apenas saia CO2 (teoricamente não tóxico), o volume de gás no escapamento é tão grande poderia literalmente expulsar o oxigênio do ar, sufocando por falta de oxigênio quem respirasse esse ar.

A questão é tão séria que houve mortes relacionadas a carros com chave presencial. Alguns clientes, ao esquecerem que sair do carro com a chave no bolso não faz o motor desligar, deixavam o carro na garagem ligado a noite toda. No dia seguinte, ao entrar na garagem, morriam de forma quase instantânea por excesso de CO no ar.

O problema, no fim de tudo, está em como o ar se comporta com o veículo em movimento. Todo veículo tem comportamento aerodinâmico parecido com uma asa ao se movimentar, ou seja, menor pressão na parte de cima, o que causa sustentação. Em velocidades muito altas o carro tende a levantar voo, o que não raro traz problemas de estabilidade. Por isso esportivos usam aerofólios e/ou fundos planos para criar pressão contrária e segurar o veículo no chão (no primeiro Audi TT houve acidentes, provavelmente relacionados à alta sustentação da traseira, que levaram a fábrica a adotar um defletor não previsto no projeto).

As principais zonas de pressão positiva (+) e negativa (-) na carroceria de um sedã

 

Além disso, o ar cria vórtice ao ser perturbado, o que de fato se traduz em redemoinhos que criam pontos de alta e baixa pressão. Por exemplo, ao passar do para-brisa para a porta o ar é “arremessado” para longe, o que cria uma zona de baixa pressão na região da porta e do vidro lateral, perto do retrovisor. Logo em seguida esse ar faz um vórtice e bate com certa pressão do meio para trás do carro – depende do projeto e da velocidade. Esse fenômeno pode ser percebido, ao ficar sem lavar o carro durante um tempo, pelo acúmulo de sujeira na lateral do carro, em geral um pouco antes do para-lama traseiro. A poeira é trazida para aquela região pelos vórtices.

Outra experiência é abrir um vidro dianteiro e um traseiro do mesmo lado em rodovia. Se forem as janelas do lado direito, nota-se grande fluxo de ar vindo de trás para frente da cabine pelo lado do motorista. Ou seja, o ar entra pela janela traseira, faz a “curva” no vidro traseiro, corre a lateral esquerda da cabine e sai pelo vidro direito dianteiro, junto ao retrovisor. Agora imagine o escapamento saindo pelo para-lama dianteiro… Mesmo em carros de corrida com escapamento lateral, coloca-se a saída em posição na qual os gases não sejam sugados para a janela do piloto.

No caso da traseira, a zona de baixa pressão e os vórtices dependem do formato da carroceria. Em sedãs e fastbacks essa zona forma-se atrás do porta-malas, pois o ar se “descola” só depois de passar pelo vidro traseiro e pela tampa. É por isso que esses carros, em geral, não têm limpador em tal vidro. Por outro lado, em hatchbacks e peruas, toda a seção traseira cria uma zona de baixa pressão cheia de vórtices, o que atrai poeira para a tampa (por isso o limpador do vidro se faz tão necessário) e gases de escapamento. O uso de defletor de teto, porém, diminui os vórtices.

Simulação da empresa XFlow mostra os vórtices gerados atrás do carro em 1min 50s

Esse efeito cria uma situação de risco ao rodar com a tampa traseira aberta ou, nos raros carros que o permitem, com o vidro traseiro aberto assim como os das portas dianteiras: suga-se todo gás de escapamento para dentro da cabine. Os antigos devem lembrar-se dos Volkswagens com a cabine separada do motor apenas por uma tampa na traseira, como Brasília e Variant: havia risco de vazamento dos gases de escapamento, por uma trinca nos coletores, juntas ou mesmo nos tubos.

Esses gases — repletos de CO, pois não havia controle de emissões na época — eram facilmente sugados para a cabine quando se andava com vidros dianteiros abertos em rodovia, o que intoxicava principalmente os passageiros do banco traseiro. Via-se as crianças sonolentas atrás, mas não se conseguia acordá-las por estarem intoxicadas pelo CO. Veículos com motor dianteiro podem ter o mesmo problema se os gases entrarem pela tomada de ar do sistema de ventilação.

Portanto, por mais complicado que seja passar o escapamento para a traseira, tem-se uma razão muito importante para isso: eliminar os gases nocivos de forma segura aos ocupantes.

 

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