Estabilidade: entenda a falha da Hilux no teste do alce
18/11/2020 2020-11-18 16:42Estabilidade: entenda a falha da Hilux no teste do alce
Assim como sua antecessora, a nova Toyota Hilux foi reprovada no “teste do alce”. Isso muitas vezes não se deve a economia no desenvolvimento ou na construção. Como costumam dizer os engenheiros automobilísticos, é muito mais fácil tirar potência de um motor que fazer um acerto de suspensão e direção para comportamento ideal em curvas. Afinal, no caso do motor basta colocar mais ar para dentro que a potência virá, mas um projeto bem-feito de suspensão é um grande desafio. E cada veículo deve ter o seu, a ponto de alguns fabricantes usarem suspensões diferenciadas entre as variações (como hatch, sedã e perua) do mesmo carro.
Veículos altos, como a picape em questão, tentam o tempo todo “desafiar as leis da física” com seu centro de gravidade elevado. Como analogia basta comparar o ato de empurrar um móvel baixo, como uma mesa de centro, ao de empurrar uma estante de dois metros de altura: é elementar a maior facilidade da estante de “tombar”. Para movê-la pode-se colocar um pano ou algo por baixo dela para que escorregue com mais facilidade no piso. No caso de automóveis de centro de gravidade alto, o conceito é o mesmo: ao chegar ao limite, faz-se com que o carro “escorregue” ou derrape antes que atinja uma força tão elevada que o faça tombar.
Mas inúmeros outros fatores influenciam o comportamento dinâmico de um veículo — e há interação entre eles o tempo todo. O projeto de suspensão e direção começa pelos pneus e suas características. Isso mesmo: todo fabricante de veículo e seus engenheiros de comportamento dinâmico ficam reféns do que o pneu pode fornecer.
Embora certos componentes ou procedimentos exijam mais dinheiro, podemos afirmar que um bom projeto de suspensão e, em consequência, de comportamento dinâmico se deve muito mais à massa cinzenta das pessoas envolvidas e aos testes requeridos pelo fabricante. Ou seja, no caso dos riscos da Toyota Hilux constatados no teste da revista Teknikens Värld, pode-se concluir que: 1) Os testes de dinâmica veicular usados para validação pelo fabricante, do ponto de vista da engenharia, não são tão exigentes nem colocam o veículo em situação de real perigo, pois o teste de desvio de alce é uma manobra de mudança de faixa a apenas 60 km/h. 2) Uma vez que se consegue aprovar o veículo em testes amenos, não se requer muita massa cinzenta, que poderia demandar mais tempo e custo de mão de obra (no caso, dos engenheiros).
Um parâmetro muito importante para a estabilidade, mas pouco conhecido pelo leigo, é o eixo de rolagem. Trata-se de um eixo imaginário em torno do qual o veículo inclina ao fazer uma curva. Esse eixo é determinado por dois pontos (lembre-se da geometria do colégio: dois pontos formam uma reta), um na suspensão dianteira e outro na traseira, definidos em seu projeto. No jargão da engenharia veicular, o carro “rola” em relação ao eixo devido às forças aplicadas a seu centro de gravidade e a sua distância em relação ao eixo de rolagem.
Quanto mais próximo do centro de gravidade o eixo de rolagem estiver, menor será a rolagem ou inclinação do veículo numa curva — considerando-se as mesmas cargas de molas, amortecedores e, se houver, barra estabilizadora. De forma proposital, esse eixo quase nunca é paralelo ao solo. Pela imagem a seguir (ilustrativa, pois não temos esses dados para o Audi A5 mostrado) vê-se que o eixo de rolagem em alguns veículos tem inclinação para a dianteira do carro.
Em regra aplica-se essa configuração a veículos com motor e tração dianteiros e, portanto, com maior parcela do peso sobre o eixo dianteiro. O motivo é que o veículo sempre tem a tendência a “escorregar” primeiro no eixo que recebe maior peso: por isso, o eixo de rolagem inclinado para frente faz com que maior carga seja transferida para o pneu dianteiro externo à curva, o que aumenta sua aderência e a capacidade do veículo de fazer curva. Nesses carros, em casos extremos, chega-se a perder contato do pneu traseiro interno à curva com o solo, o que não traz problemas de estabilidade pois o limite de capacidade de curva está no eixo dianteiro.
Por outro lado, alguns veículos com maior distribuição de peso na traseira e tração naquele eixo podem ter o eixo de rolagem inclinado para trás, como no exemplo do Porsche Cayman GTS a seguir (imagem também ilustrativa). Afinal, há maior tendência de o veículo sobresterçar ou mesmo “perder” a traseira numa curva forte, rodopiando, sobretudo a pleno uso do acelerador.
Esse acerto de eixo de rolagem também é bem-vindo em veículos com centro de gravidade alto. Se o eixo de rolagem estivesse inclinado para frente, faria com que a frente “mergulhasse”, aumentando a aderência do pneu dianteiro externo à curva, o que piora a transferência dinâmica de massa em manobra de emergência como o teste do alce. No vídeo da Teknikens Värld, ao comparar a atitude da Hilux à das concorrentes, percebe-se que todas tendem a inclinar na curva “afundando” a traseira. No caso da Mitsubishi L200 (vendida como L200 Triton Sport no Brasil), em 50 segundos do vídeo, nota-se a roda dianteira interna à curva perdendo contato com o solo.
Outro parâmetro que pode ajudar — ou atrapalhar, dependendo como for desenvolvido — é o ângulo de pino-mestre. Quanto mais inclinado, mais ele favorece o apoio lateral do carro, juntamente com o ganho de câmber na compressão das molas. Fazendo uma analogia, temos muito mais controle e equilíbrio lateral ao espaçar nossos pés, deixando as pernas inclinadas, tanto que não se vê surfista surfando com os pés juntos.
Outro parâmetro que pode ajudar — ou atrapalhar, dependendo como for desenvolvido — é o ângulo de pino-mestre. Quanto mais inclinado, mais ele favorece o apoio lateral do carro, juntamente com o ganho de câmber na compressão das molas. Fazendo uma analogia, temos muito mais controle e equilíbrio lateral ao espaçar nossos pés, deixando as pernas inclinadas, tanto que não se vê surfista surfando com os pés juntos.
Quando tudo isso não é suficiente, podemos apelar para medidas paliativas como estabilizador mais espesso (ou seja, de maior carga e atuação), para que ocorra menor inclinação da carroceria e para diminuir a aderência daquele eixo, no caso o dianteiro. O estabilizador trabalha de forma que transfere carga do pneu interno à curva para o pneu externo, ou seja, sobrecarrega o externo enquanto alivia o interno. Com isso, aquele eixo tende a “escorregar” mais. Com menor aderência, tem-se menor chance de atingir acelerações laterais altas o suficiente para o tombamento do veículo.
No caso mais extremo pode-se apelar para o controle eletrônico de estabilidade. Para alguns engenheiros, pode ser comparado a um remédio anti-inflamatório. Caso você tenha uma inflamação crônica — por exemplo, nas costas —, a melhor maneira de solucionar o problema é achar sua causa para que não inflame e não traga dor, mas muita gente prefere tomar um remédio que reduz a inflamação e a dor em vez de fazer exercícios ou fisioterapia.
Com o controle eletrônico ocorre a mesma coisa. Em bons projetos de suspensão ele nunca atua, salvo em casos extremos de perda de controle. Por outro lado, há carros que precisam constantemente de sua intervenção para que o pior não aconteça. A mesma Teknikens Värld, no teste do alce no Porsche Macan, constatou que o controle de estabilidade atuava de forma excessiva na roda dianteira externa à curva, travando-a e reduzindo seu atrito, bem como forçando o veículo a uma trajetória mais retilínea para evitar capotar.
Isso não é o comportamento ideal que se espera de um veículo — sobretudo de um Porsche —, mas é menos grave que permitir que capotasse. A própria Porsche respondeu que a estratégia do sistema eletrônico estava correta, de forma a proteger os ocupantes. Mas, convenhamos, há veículos muito mais baratos e de projetos mais antigos que se comportam melhor sem o controle eletrônico.
Há tantos fatores que influenciam o comportamento dinâmico que um carro que, se fosse o caso de explicar tudo, terminaríamos com um curso de dinâmica veicular que demandaria meses. Para sintetizar, portanto, o que houve com a Toyota Hilux foram duas grandes gafes: uma no projeto de suspensão e direção, que ocasionou o comportamento tão estranho, e outra na calibração do controle de estabilidade, que deveria remediar o mau comportamento para proteger os ocupantes.