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Simpósio SAE Brasil: Motor a combustão deverá ter vida longa no Brasil

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Simpósio SAE Brasil: Motor a combustão deverá ter vida longa no Brasil

Aliado à tecnologia híbrida, motor a combustão deverá ter vida longa no Brasil

 

O 17º Simpósio SAE Brasil de Powertrain reuniu diversas empresas e palestrantes, que apresentaram vários estudos de desenvolvimento de motores e transmissão, bem como projeções de mercado. A principal conclusão do que foi exposto é que o motor de combustão interna, sobretudo o de ciclo Otto, ainda demora a ser extinto dos carros à venda no País.

 

O simpósio começou com a apresentação da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), que mostra o Brasil como referência em energias renováveis: 45,3% do total de energia consumida, desde transportes e indústria até energia elétrica. Se for considerada apenas a energia elétrica, o Brasil atinge nada menos que 80% de energia renovável, o que representa uma relação de emissão de CO2 por kWh gerado 10 vezes melhor que a China e cinco vezes melhor que nos Estados Unidos.

 

Embora muitos acreditem que estamos em transição acelerada para automóveis elétricos, foi demonstrado que toda transição energética na história foi lenta (acima) e que a próxima etapa, a eletrificação pura dos automóveis, pode levar mais tempo do que se imagina — sobretudo no cenário brasileiro. O uso de veículos híbridos e flexíveis, como o Toyota Corolla Hybrid, promete ser uma forte tendência em nosso mercado na próxima década. Além disso, espera-se melhora de 1% ao ano no consumo da frota de carros novos em geral, bem como vendas anuais de cinco milhões de carros em 2030.

Isso não significa a ausência de veículos elétricos, mas se espera que essa tecnologia comece pela aplicação comercial, como em táxis, transporte público, serviços de entrega e compartilhamento de veículos. Outra apresentação de estudos, sobre estratégias de tempos de abertura das válvulas de admissão para aumento de eficiência em motores a álcool, por parte da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), mostrou o balanço previsto entre os tipos de combustíveis no transporte mundial até 2040 (abaixo).

 

A apresentação da AVL tratou da próxima geração de motores com injeção direta de álcool, que passa à chamada UHP (Ultra High Pressure, pressão ultra-alta). Ao trabalhar com até 1.000 atmosferas de pressão (hoje raramente se atingem 400), a injeção traz maior eficiência com uso de álcool ou gasolina misturada com álcool. Afinal, o combustível de cana tem maior eficiência energética que a gasolina, além de ser oriundo de plantas que retiraram CO2 do ar para crescer. Se misturado à gasolina, ele aumenta a eficiência do motor por sua propriedade antidetonante.

A grande vantagem do aumento de pressão de injeção é suprir o aumento de vazão requerido pelo álcool, além de permitir múltiplas injeções durante a fase de compressão. Um dos desafios à implementação mundial do álcool é a partida a frio em regiões com inverno rigoroso, razão para ainda se usar nesses locais o E85 (álcool com 15% de gasolina). Com estratégias como injeção apenas no fim da fase de compressão, porém, consegue-se evaporar suficientemente o álcool para partida.

 

Tal tecnologia vem ao encontro da previsão de grande parte do mercado ser movida por veículos híbridos e flexíveis. Apesar do argumento frequente de que o futuro é o carro elétrico, o líder do estudo da AVL, Ernst Winkhofer, foi enfático: “O mundo não é a realidade rica vivida pelas pessoas que moram na Califórnia, que podem pagar caro por veículos elétricos”. A Motul também mostrou sua previsão para 2050 (acima), pela qual cerca de 60% do mercado ainda terão motores de combustão interna (que chamaremos de CI), mas híbridos.

E por que híbridos? Pelo menor custo que o elétrico puro. Apesar de mais complexos na fabricação e pelo número de peças, os híbridos evitam o alto custo das baterias de grande autonomia, além de suas emissões de poluentes serem de 30% a 80% menores que em veículos convencionais.

 

O fabricante também destacou a importância do óleo lubrificante na eficiência do motor: consegue-se reduzir o consumo de combustível ao usar óleos melhores sem grandes gastos (acima), comparado a soluções como injeção direta, variação de tempo de abertura das válvulas e desativação de cilindros. Lubrificantes de ultrabaixa viscosidade, de 0W16 a 0W8, aumentam a eficiência dos motores também para os veículos híbridos.

O grande senão é que os óleos de híbridos precisam atender a outras exigências, pois a operação do motor CI é diferente: sempre que é acionado, opera em torque máximo para a rotação em que está trabalhando, além de demorar mais para esquentar, o que aumenta a contaminação de combustível no óleo e aumenta os riscos de degradação do óleo e formação de borra (abaixo).

 

Outro ponto demostrado pela Motul foi o impacto da eficiência do conjunto de transmissão nos veículos elétricos. A caixa manual de um carro convencional tem entre 93% e 95% de eficiência, fator que pode ser desprezado diante da baixa eficiência do motor CI no uso cotidiano, entre 20% e 30%. Contudo, num veículo elétrico — cujo motor tem altíssima eficiência — a transmissão é responsável por 20% de todas as perdas.

Ou seja, há uma grande demanda de melhorias nos sistemas de lubrificação de transmissões de conjuntos elétricos, que podem aumentar a eficiência do conjunto e, em consequência, diminuir o tamanho e a capacidade das baterias. O que torna o óleo específico para tal transmissão é a sua capacidade de isolamento elétrico, pois o óleo está diretamente em contato com as bobinas do motor/gerador elétrico.

 

Um dos destaques do simpósio foi a apresentação técnica do Volkswagen Golf GTE (acima e na foto que abre o artigo), que começa a ser vendido no Brasil em série limitada. Roger Guilherme, gerente de engenharia da Volkswagen, anuncia que a marca terá mais de 20 modelos elétricos até 2025. Contudo, os desafios para o mercado brasileiro forçam uma migração inicial para híbridos.

Os principais motivos são as distâncias continentais — um desafio para a limitada autonomia e o tempo de recarga do elétrico — e a infraestrutura de postos de recarga. Por outro lado, diante da poluição dos grandes centros urbanos, um híbrido com recarga externa como o GTE atende a todos esses critérios: por ser carregado em tomada, sua operação elétrica permite rodar até 50 km e alcançar velocidade de 120 km/h, enquanto o Toyota Prius sem recarga externa mal passa de 2 km com eletricidade.

Isso traz a opção de usar o carro como elétrico na cidade, sem perder em praticidade e segurança ao viajar grandes distâncias. Roger enfatizou que há cidades onde se proíbem veículos de motores CI nos centros, algo que o Golf GTE pode driblar por ter um modo elétrico habilitado pelo motorista. E estudos mostram que 2/3 das pessoas rodam até 50 km por dia, ou seja, poderiam usar o Golf apenas no modo elétrico e carregá-lo durante a noite. Se houver uma emergência no meio da noite, o motorista pode entrar e sair — até mesmo para uma viagem — usando o motor CI.

 

O sistema híbrido do Golf usa uma caixa de transmissão automatizada de dupla embreagem e seis marchas, que pode ser tanto acoplada (por embreagens) pelo motor elétrico quanto pelo motor a combustão ou por ambos. Complexo mesmo é o sistema de arrefecimento (acima) com nada menos que três radiadores: um para o motor CI, outro para a bateria e o terceiro para o resfriador de ar integrado ao coletor de admissão, o turbo e o motor elétrico. No caso da bateria, o sistema de reservatório separado e selado tem refrigeração integrada ao ar-condicionado, caso a temperatura externa seja muito alta.

No fim, há quatro temperaturas de operação no sistema como um todo. O conjunto 1 do sistema de arrefecimento opera com 90°C para o motor CI e 70°C para o motor elétrico e o resfriador de ar. O conjunto 2 mantém 60°C para a eletrônica de potência (entenda-se inversor de frequência) e o carregador e 35°C para as baterias. No fim, tudo isso para um consumo energético, elétrico, de 0,55 MJ/km, praticamente um terço do obtido por um Polo 1,0 aspirado (1,6 MJ/km).

Roger preferiu não comparar consumo em km/l, uma vez que as metodologias de ensaios para esse tipo de veículo ainda não estão definidas. Afinal, o consumo será medido com a bateria carregada ou descarregada no início do teste? Pela complexidade de ensaios e desenvolvimento, o Golf GTE exigiu três anos de testes e adaptações a nosso mercado. Roger comentou que uma versão flexível, cogitada para o desenvolvimento, exigiria nada menos que oito vezes o número de horas — entende-se custos — que um flexível não híbrido.

 

As apresentações de Bosch e Mahle Metal Leve foram focadas nas estratégias para atingir as metas de eficiência do programa Rota 2030. Mais uma vez se discutiu muito o uso do álcool, sobretudo em híbridos, para redução de emissões de CO2, chegando a níveis abaixo dos puramente elétricos no mercado europeu e próximo aos elétricos que usam energias renováveis (acima).

 

Uma solução da Bosch para aumentar a eficiência é elevar a taxa de compressão a 15:1 em motores otimizados para álcool, controlando os riscos de detonação com injeção de água ao usar gasolina (acima). Com isso consegue-se trabalhar com avanços de ignição maiores sem riscos de quebra, o que eleva em muito a eficiência.

 

Para tal estudo foi usado um Polo MPI aspirado de 1,0 litro (acima) com pistões modificados para aumento da taxa de 11,5:1 para 15:1, além de tecnologias para redução de peso e área de contato das saias, o que reduz o atrito. Foram elaborados novos mapas de posição da variação de tempo de válvulas, de injeção de combustível e de avanço de ignição, assim como um mapa de injeção de água — isso para cada tipo de combustível, gasolina E22 e álcool. A injeção de água elimina a necessidade de excesso de combustível em cargas altas, uma vez que a água resfria a câmara de combustão (abaixo).

 

Como resultado, os ganhos no consumo foram de 8,1% com álcool e 2,8% com gasolina. Muitos na plateia esperavam maior ganho com gasolina pelo melhor resfriamento da câmara. O motivo, explicou a Bosch, foi o fato de limitarem a vazão de água com gasolina: o resfriamento necessário exige uma vazão muito grande, que diminui a autonomia do reservatório de água de cinco litros, hoje estimada em 3.500 km. Por isso, os próximos passos do estudo visam aumentar a autonomia e a eficiência com gasolina. Uma das frentes é reutilizar a água oriunda da condensação do ar-condicionado.

 

A Mahle Metal Leve mostrou novos pistões (acima) que focam na redução de peso e de área de atrito, além da maior dissipação de calor, a fim de proteger o motor com alta taxa de compressão. A simples alteração na geometria dos pistões permite 1,5% de melhora no consumo.

Outro estudo da Bosch foi o impacto do aquecimento do combustível nas emissões de poluentes (abaixo). Os primeiros 120 segundos dos testes de emissões representam boa parte de toda emissão poluente, muito pelo fato de o catalisador ainda não estar aquecido — abaixo de 300°C não há conversão dos poluentes. Há também o fator da liquefação do combustível injetado ao entrar em contato com partes frias da câmara de combustão, resultando em má queima.

 

 

A proposta da Bosch é aquecer o combustível até 100°C, sobretudo o álcool, para homogeneização mais completa do combustível com o ar. Como resultado, as emissões são reduzidas a ponto de se trabalhar com mistura ar-combustível mais perto de lambda 1, podendo até reduzir os custos do catalisador. Interessante notar que o aquecimento não seria apenas no momento da partida, mas durante boa parte da fase de aquecimento do motor. Em certas estratégias, pode ser benéfico aquecer o combustível mesmo com o motor quente.

Essas estratégias permitiriam aos carros atuais, que atendem às normas Proconve L6, migrar para L7 sem grandes modificações. Estudos mostraram redução de até 71% em gases orgânicos não metânicos (NMOG) e óxidos de nitrogênio (NOx) sem prejuízo da dirigibilidade do carro. Pelo contrário, até melhora, pois consegue evitar falhas de combustão em temperatura ambiente baixa.

 

A palestra da Toyota abordou os desafios do projeto do Corolla Hybrid, primeiro veículo híbrido flexível (acima). A empresa concorda que ainda veremos carros novos com motores CI por 20 ou 30 anos. Um dos alicerces desse argumento é a eficiente combinação do motor com álcool a um motor elétrico. Na matriz energética atual, um híbrido com álcool emite menos CO2 que um carro elétrico que usa eletricidade oriunda de combustíveis fósseis.

Então, por que não usar apenas um motor CI a álcool? Pelo fato de sua eficiência máxima, na casa de 40%, ser alcançada em pequenas faixas de operação. Ou seja, para determinadas situações, como o anda-para de um trânsito pesado, o motor elétrico obtém muito maior eficiência que o CI, além de regenerar energia nas frenagens. Por outro lado, devido à limitação de autonomia da bateria, usa-se o motor CI em sua faixa de melhor eficiência para carregar a bateria quando necessário.

As modificações no motor CI do Corolla (abaixo) para trabalhar com álcool começam em componentes mecânicos como sensor de álcool no tanque, injetores com aquecimento e pistões e válvulas diferentes, mas o sistema que abrange motor, gerador elétrico e transmissão também é de nova geração, mais compacto e eficiente. Na parte de gerenciamento eletrônico, o álcool traz um grande problema: a contaminação do óleo durante a fase fria pode degradá-lo de tal forma a comprometer o motor como um todo.

 

Para eliminar esse risco, a temperatura do óleo deve ultrapassar 70°C para que o álcool retido nele evapore. Isso afeta diretamente as estratégias de funcionamento do motor e o gerenciamento energético do carro. Ao perceber que há apenas álcool no tanque, o sistema aciona o motor CI mesmo que a bateria do motor elétrico esteja carregada, aquecendo o motor até a temperatura de trabalho e mantendo-o aquecido durante todo o percurso. É uma estratégia diferente de quando se roda apenas com gasolina, em que o sistema não precisa se preocupar tanto com a temperatura do óleo.

Ponto interessante perguntado pelo autor foi sobre o ar-condicionado do Corolla, com sistema independente do motor CI. A Toyota usou um tipo “sistema reverso”, como em aparelhos residenciais, em que se inverte o sistema para aquecer o ambiente em dias frios. Tal reversão se torna muito mais eficiente que ligar uma resistência elétrica para aquecer o ar que vai para cabine, o que afetaria em muito a autonomia da bateria em dias frios. A resistência elétrica está lá para situações mais extremas de frio, mas dificilmente será utilizada no nosso clima.

Uma apresentação que orgulha qualquer brasileiro foi da WEG, empresa brasileira de motores elétricos com fábricas na Europa, nos Estados Unidos, na China e na Austrália, entre outros países. Seus motores/geradores equipam desde usinas hidrelétricas até navios de grande porte, nos quais um motor gerador Diesel envia a energia de movimento para motores elétricos para propulsão.

 

A demonstração deixou claro que o limite dos motores elétricos está na temperatura de operação, que pode ser compensada com sistemas de arrefecimento quando há grande demanda de potência. A temperatura afeta tanto o verniz usado no enrolamento das bobinas como os mancais de rolamento, que costumam ter sensores de monitoramento de temperatura. Um exemplo de robustez citado é o dos motores de sistema de ventilação de túneis na Europa: a norma exige que, em caso de incêndio, continuem a operar durante duas horas a 400°C.

A WEG fez parceria com a Volkswagen para o E-Delivery (acima), caminhão elétrico de entrega urbana, e com a Randon em uma carreta com motor elétrico e bateria. A energia de frenagens é regenerada para uso em rampas ou ultrapassagens, o que reduz o consumo de combustível. A pergunta que ficou no ar é se, no futuro, os fabricantes de veículos vão desenvolver os próprios motores elétricos ou comprar a tecnologia pronta de terceiros, como se faz hoje com motores Diesel comerciais e transmissões automáticas.

O 17º Simpósio de Powertrain da SAE deixou claro que, apesar das grandes forças de eletrificação do automóvel, durante muito tempo ainda conviveremos com motores de combustão interna, mas em sistemas híbridos. Uma solução ideal para países em que o consumidor não pode pagar os altos custos do carro elétrico, podendo-se importar o maquinário fabril que se tornar obsoleto na Europa. No caso do Brasil o álcool tem o papel-chave para redução de emissões de CO2, com ampla infraestrutura de abastecimento já implementada e sem os inconvenientes de autonomia e tempo de recarga em um país continental como o nosso.

 

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