Vapor de gasolina: grande economia ou enganação?
11/11/2020 2020-11-11 11:01Vapor de gasolina: grande economia ou enganação?
Existem vários relatos circulando pela internet dizendo que é possível economizar combustível usando vapor de gasolina na admissão do motor. Antes de tudo, vale refletir. Os grandes fabricantes possuem centenas de engenheiros, muitos deles com mestrados e PhD, trabalhando todos os dias para projetar veículos com a maior eficiência possível. Eles atuam por cerca de quatro anos em cada projeto e para cada veículo há 300 ou mais engenheiros, apenas na área de motor e seu funcionamento. Outros incontáveis engenheiros atuam em fornecedores dos sistemas do veículo, empresas onde muitas tecnologias são originadas e propostas aos fabricantes.
Diante desse quadro — e das centenas de milhões de dólares gastas em cada projeto —, é plausível acreditar que haveria alguma chance de ser desprezada uma tecnologia que pudesse trazer ganhos efetivos da ordem de 30% a 50% na eficiência do motor? Não que uma ideia brilhante não possa surgir da garagem de qualquer pessoa, mas, se a tecnologia fosse realmente funcional, não seria vendida em sites de comércio entre particulares: o suposto gênio teria batido à porta dos fabricantes para vender sua patente e ganhar muito dinheiro, como já ocorreu diversas vezes na história e ainda ocorre.
A ideia do “vapor de gasolina”, de certo modo, já é empregada em todos os veículos. O sistema de cânister coleta os vapores de combustível que evaporam do tanque, acumula-os em um filtro de carvão ativado (o cânister) e, seguindo “ordens” da central eletrônica, usa os vapores acumulados para queimar no motor. No passado, quando não havia restrições às emissões evaporativas, esses vapores escapavam para a atmosfera.
Os sistemas de vapor de gasolina vendidos por aí não passam de enganação, pois se admite vapor de gasolina proveniente de um reservatório separado para ser queimado pelo motor, juntamente com o que será introduzido pelos injetores originais. Como já entra vapor nos cilindros junto com ar, a central percebe pelo sensor de oxigênio que haverá excesso de combustível se forem mantidos os tempos de abertura padronizados dos injetores. Assim, a central define uma redução do tempo de injeção e, em consequência, diminui a vazão de combustível proveniente do sistema original.
É desse efeito que se vê a suposta melhora (apregoada como de 30% a 50%, como visto em anúncio) no consumo de combustível, seja indicado no computador de bordo ou aferido pelo combustível que entra no tanque ao abastecer. Mas não se pode esquecer do consumo de combustível no reservatório suplementar, o qual elimina o suposto ganho.
É importante considerar que a gasolina não é composta por um único tipo de molécula de ligações de hidrogênio com carbono (como ocorre com o álcool), mas sim uma mistura de várias moléculas, das quais certas substâncias evaporam mais facilmente que outras. Essa característica é percebida quando se mantém gasolina no tanque — ou mesmo no reservatório de partida a frio — de um veículo parado por muito tempo e se tenta partir o motor. Como as moléculas de evaporação fácil já se perderam, o motor tem dificuldade de ligar, pois só sobraram moléculas que não se evaporam (misturam-se com o oxigênio) com facilidade.
No caso dos kits de vapor de gasolina, força-se a utilização apenas das moléculas de fácil evaporação, deixando no reservatório aquelas com maior dificuldade de queima, ou seja, uma gasolina forçadamente “envelhecida”. Há até sistemas que eliminam a injeção original, desativando bomba de combustível e injetores, e usam apenas os vapores provenientes do reservatório auxiliar. No fim das contas, o sistema acaba sendo um “carburador piorado”, pois só usa as moléculas de fácil evaporação, sem o controle preciso dos sistemas eletrônicos. Com isso a mistura homogênea — ou seja, correta — pode ficar comprometida.
Vale lembrar que mistura ar-combustível “pobre” ou “magra”, com excesso de ar, não é algo tão prejudicial aos pistões, mas se for muito pobre pode ocasionar falhas de combustão. Apenas em situações extremas e cargas altas, em geral mais comuns em motores turboalimentados, é que se podem ter problemas nos pistões.